quinta-feira, 1 de maio de 2008

Escândalos

Chupar chiclete nunca foi tão importante para João, que mora na rua 7, no edifício 7, do bairro 70. João acreditava que a vida não era senão uma marca nova de chiclete. Até que ele descobriu Gorete. Não pela simples rima com chiclete, Gorete alcançou todos os níveis morais que João já alcançara. Por mais que o volume de sua caixa craniana não fosse tão necessário ao uso primário de sua capacidade cognitiva, João ainda acreditava em chiclete e Gorete. Até que Gorete, fascinada pela proposta indecente de um anjo extra-mundano lhe fizera, viajou para outras maquetes de idéias e abandonou João. Na verdade, o anjo não era anjo. O disfarce enganara Gorete: ele era mesmo uma Televisão. T-e-l-e-v-i-s-ã-o! Mas João descobriu com o tempo que o verdadeiro motivo de sua existência ainda era o chiclete. Mascava aquela substância que só em pensar sua origem lhe trouxera vertigem na visão por acionar uma área suspensa de uso no cérebro lhe roubava todo o tempo. Seus dentes nem mais existiam, seu maxilar poderia se comparar a desventura do mais hábil antílope, de serradura, precisão, agilidade e força. João nunca pensou que poderia ser tão bom em mastigar aquela massa multicolorida. Não pensou porque nunca pensava. Esse era o João. Nos feriados, saia pela juventude corroborativa da ociosidade mental a levantar fundos em patrocínio de seus chicletes. Aquilo parecia polêmico para João: pois alguns se negavam à doação. Mas como? – se perguntava – Como poderiam me negar? Logo eu, tão bom- terminava seu suspiro como que nem tivesse começado. Não terminava por falta de treino, seus pensamentos nunca foram arquitetados de maneira óbvia. A marginalidade existia até em sua cabeça. As gangues rivais matavam um neurônio seu a cada tentativa de pensamento. Até que um dia, os recenseamentos da prefeitura começaram e João passou a morar na rua 8, no edifício 8, do bairro 80. Não chegava a entender o aquilo lhe significava, e isso mexia com um instinto humano que demorava séculos para chegar a tão cadeia genética riquíssima e inteligente e de repente um casulo animal ambulante não fazia esforço algum para memorar aquela idéia e fazer dela um obscuro filosófico. Mexeu de tamanha forma, uma forma sem entendimento e curiosamente que nem sequer as lágrimas entendiam o que se passava na cabeça do garoto que se negaram a sair dos seus estreitos olhos. Vertiginando seus movimentos, João entendeu que aquilo fora a mais vergonhosa e ofensiva ironia existencial que o Governo do qual o bairro morava lhe fizera. Como quem nunca aprendera a respirar, mas fingia como melhor palhaço desengonçado que facetava o ar em várias dimensões e engolia como o mais saliente e denso algoz salivar, como que nunca aprendera tudo isso, resolveu nunca mais chupar chiclete. Chiclete sabor “mente”, porque chiclete hortelã, jurou para seus dentes ofegantes que jamais os deixaria. E João morreu, salivando em litros, mas ansioso por um dia ser o melhor mastigador de chiclete. Independente de sua não-vitória, João nunca soube que essa classe profissional-esportiva nunca existira. Morreu feliz, como quem mastigava um chiclete. Assim foi.
Fernando”
Na noite de 1 de maio, às 23:38H

5 comentários:

Unknown disse...

Chiclete sabor mente...

Veja só o que a gente está mascando, e está mascando há muuuuuuuuuuuito tempo, ruminando, ruminando....

Sem comentários - apenas que já linquei este blog no meu.

Abração.

Estou orgulhoso de tê-lo como amigo.

Filipe Torres disse...

Tipo...tem muita gente que deveria mascar o chiclete "mente" e absorver todas suas proteínas...quantas pessoas que hoje mascam, e mascam sem absorver nada, mascam por mascar, e toda proteína, cospem, mas fazem maldade de cuspir em cima daqueles que nem grana tem para comprar um chiclete sabor mente!

Adorei!
É, passei 3 meses para escrever lá no meu blog porque nao vinha ispiração,mas agora vou ver se escrevo com mais frequencia!
Abraços!

plira disse...

Chiclete é bom, né?


(:

Edvânea disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Edvânea disse...

Oi, Fernando, que bom "revê-lo"! Olhe, independente da data do texto, ele tem um sabor diferente, sabor de sua turma G, de pré-universidade. A questão é: que sabor têm seus textos de agora? Continua escrevendo?!
abraços,